Por um governo aberto que pense também que tipo de tecnologia queremos

Uma das representações gráficas mais interessantes do conceito de governo aberto que já vi é a da Organização dos Estados Americanos (OEA), em sua publicação “Hacia el gobierno abierto: una caja de herramientas” (2015).

O pesquisador César Nicandro Cruz-Rubio propõe ali um esquema que explicita níveis de desenvolvimento dos eixos transparência, accountability e participação. Dessa forma, o governo aberto pode ser visto como a articulação desses eixos e também como um processo, em que as iniciativas podem estar em constante aprimoramento:

Imagem extraída da publicação: “Hacia el gobierno abierto: una caja de herramientas”, da OEA (2015)

Com o esquema proposto, também se reconhece que, em um mesmo governo, iniciativas distintas podem atingir níveis de “maturidade”distintos, a depender do contexto de implementação (numa tradução livre minha):

  • Transparência: transparência passiva > transparência ativa> transparência colaborativa
  • Participação: informar > consultar > envolver > delegar/empoderar
  • Accountability: regras claras > responder/justificar > responsabilizar.

Costumo usar o esquema em palestras e seminários, mas a cada vez que retomo essa representação do conceito de governo aberto, sinto falta de um eixo também transversal e que me parece fundamental: a tecnologia.

A inovação tecnológica aparece com frequência como uma condição primordial para a implementação das políticas de governo aberto. Ter ferramentas tecnológicas a serviço da integridade, da transparência, da participação, é dado como positivo e pouco se discute como essas ferramentas são implementadas.

Ora, não vou me estender aqui, mas sabe-se que as tecnologias não são neutras, e as escolhas tomadas nessa área podem impactar de forma significativa nos resultados pretendidos em determinadas políticas. Uma ferramenta de votação eletrônica não auditável, ou seja, sem código aberto, pode colocar em risco a legitimidade de um processo participativo, por exemplo. Ou, ainda, a adoção unilateral de determinada linguagem pode fazer com que o projeto (um site, um sistema de gestão, um aplicativo qualquer) tenha inviabilizada a colaboração entre governo e sociedade, o que é tido como pilar fundamental de governo aberto.

Creio que uma representação mais completa deveria, portanto, incluir o eixo de tecnologia. Os planos de ação de governo aberto devem prever ações específicas para criar espaços e métodos de colaboração também nessa área, e para isso precisam adequar suas infraestruturas e recursos:

Rascunho feito por mim e que portanto demonstra minha inabilidade artística, mas que serve como ponto de partida para uma nova representação do conceito de governo aberto.

Nesse novo gráfico, proponho para debate ao menos três níveis de profundidade no eixo “Tecnologia”:

  • Governo Eletrônico: uso de ferramentas tecnológica que permitam a entrega de serviços, participação a distância e outras formas de interação com o cidadão em meio digital;
  • Códigos e Formatos Abertos: as ferramentas disponibilizadas permitem o reúso de dados e códigos e cria-se condições para que a sociedade possa aprimorá-los e transformá-los;
  • Inovação Aberta: governo e sociedade interagem em espaços/laboratórios e produzem soluções de forma conjunta

Um eixo de tecnologia é capaz de explicitar os desafios dos governos em lidar com as novas formas de produção digital, já que sua arquitetura institucional está pouco preparada para incorporar novas ferramentas e costuma ser entrave para a viabilização de projetos participativos, de transparência, de integridade pública.  Espero que avancemos nesse debate.

PS 1- Pretendo traduzir para inglês e espanhol, quando arrumar um tempinho.

PS 2 – Designers de bom coração que quiserem ajudar a produzir esse gráfico, esse blog é de vocês 🙂 

One Comment
  1. Olá, Fernanda!

    Excelente abordagem, obrigado por escrever sobre isso.

    Nesta linha, adoro também o que a Tara Holland escreveu no portal da SAS sobre governos abertos a partir de softwares abertos e dados abertos.

    Dá uma olhada: https://www.sas.com/en_ca/insights/articles/analytics/local/open-source–open-data-and-open-government.html

    E a propósito, como empreendedor social, estou cumprindo meu papel. E sem mimimi, estão aqui todos os códigos: https://github.com/portabilis.

    Abraços!

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