A conta da educação brasileira não fecha na ‘Economist’

A educação entrou no pacote da crítica que a revista The Economist fez nesta semana à economia brasileira. A reportagem “Pensions and education: Land of the setting sun” elegeu como vilã a aposentadoria dos professores, um privilégio desmedido que estaria impedindo bons resultados no setor.

O diagnóstico da revista não chega a estar completamente equivocado, mas repete simplificações comuns no noticiário nacional, além de omitir uma informação importante sobre o tema: 1) compara o investimento brasileiro com a média de países da OCDE em termos absolutos, e não por aluno; 2) afirma que o problema é a má gestão e não a falta de recursos e 3) não informa que os salários de aposentados não poderiam ser pagos com recursos correntes da educação.

Vamos aos pontos.

 

 

 

 

 

 

1. “O governo brasileiro gasta 5.6% de seu PIB em educação, mais que a média dos países da OCDE. Isso deveria ser suficiente, mas não é. Parte do problema é que o orçamento da educação não é bem utilizado. Países da OCDE gastam em média 30% mais em cada estudante universitário que em cada estudante da educação básica. O Brasil investe 5 vezes mais”.

Os veículos que cobrem educação seriamente não cometem ou não deveriam mais cometer esse erro. Não, o Brasil não investe mais que os países da OCDE e sim, são necessários mais recursos. O melhor indicador para se comparar o investimento é o gasto anual por aluno (afinal, o valor absoluto do PIB e o número de matrículas são bastante diferentes em cada país).

Nesse indicador, o Brasil é o terceiro pior colocado entre os avaliados pela OCDE. Aqui, se investe cerca de um terço do que os países-membro investem em seus alunos. Além disso, os desafios educacionais do Brasil exigem um esforço de investimento muito maior que esses países. Dados da PNAD/IBGE divulgados nesta semana mostram que apenas 12% da população brasileira tem ensino superior completo, ou seja, é preciso ainda grande investimento nessa etapa da educação para expandir a oferta de qualidade e ampliar o acesso.

O Brasil é dos últimos colocados no ranking da OCDE, quando a comparação é feita com base no investimento anual por aluno. 

2. O Brasil planeja aumentar os investimentos para 10% do PIB até 2020 (…) Mas mais dinheiro não vai ajudar a menos que esteja vinculado à melhor qualidade dos professores e metas educacionais bem desenhadas. (…) O Brasil precisa redefinir seu investimento em educação, não aumentá-lo.”

Difícil imaginar como a educação poderia melhorar sem mais recursos. No Plano Nacional de Educação (PNE) atualmente em tramitação, somente uma das metas (a de estender educação de tempo integral a 50% das escolas) demandaria muito mais que os 7% do PIB inicialmente propostos pelo governo. Segundo estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, referendado por nota técnica do IPEA, somente com 10% do PIB será possível cumprir o plano. O financiamento tem que estar a serviço das metas de qualidade, e não o contrário.

Isso não quer dizer que não seja necessário melhorar a gestão dos recursos e aprimorar os mecanismos de prevenção da corrupção (inclusive aumentando a transparência). Nesse trecho, o Secretário de Educação do Rio, Wilson Risolia, diz à Economist que mais dinheiro pode significar mais corrupção, passando a triste mensagem de que a corrupção é inevitável e a melhor forma de combatê-la é manter o quadro de subfinanciamento.

3. O que a Economist não falou

O argumento central da reportagem é o de que o Brasil gasta mal (e não pouco) em educação e a principal expressão disso, diz a revista, é o montante gasto com os professores aposentados. Este é certamente um problema e um debate que precisa ser feito, mas o tema não tem ganhado a atenção necessária.

Legalmente, estados e municípios não poderiam remunerar os aposentados com os recursos vinculados à educação – estes deveriam ser pagos com recursos da previdência. Havia um dispositivo no projeto de lei do PNE para proibir a manobra, que reduz os recursos disponíveis para investimento em educação. Os salários dos funcionários aposentados devem, sim, ser garantidos, mas não comprometendo os 25% de receitas que estados e municípios devem obrigatoriamente investir no setor.

No entanto, na última quinta-feira (25/9), os senadores aprovaram o PL na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, retirando esse dispositivo. Outro retrocesso no texto do Senado é a inclusão de subsídios e isenção fiscal entrem no cálculo de 10% do PIB, reduzindo ainda mais o esforço do governo em ampliar o investimento.

Como se vê, o debate do financiamento educacional é muito mais complexo do que propõe a revista e o gargalo está longe de ser a questão dos aposentados. A cantilena de “mais gestão e menos recursos”, que parecia ter sido superada até pelos mais conservadores no Brasil, ainda encontra eco nas páginas da Economist.

3 Comentários
  1. A proporção do PIB é uma medida perfeitamente válida para se comparar investimentos em educação porque há paridade de poder de compra e porque os custos e salários variam de país a país. Na verdade, comparações de gastos de forma direta sem conversão por paridade de poder de compra não fazem sentido nenhum e nunca vi ninguém que o fizesse.

    Note que o gasto médio por aluno num país da OECD supera a renda per capita de muitos países emergentes.

    O número de 10% do PIB é completamente arbitrário: Apenas sete países(Ilhas Marshall, Maldivas, Sudão, Kiribati, Cuba, Timor Leste, Lesotho) superam este número mágico.

    Ninguém gosta de admitir, mas o sistema de aposentadorias dos professores é parte do problema: professoras mulheres podem se aposentar com cinquenta anos, e se você considerar a expectativa de vida para mulheres no Brasil ela vai ficar mais tempo aposentada que trabalhando. Isso é sim um problema, porque o dinheiro tem que vir de algum lugar.

    E o sistema educacional brasileiro é sim ineficiente. O custo por aluno das universidades estaduais e federais ainda é relativamente alto e há um número grande de fraudes e desvios na educação. Há fraudes grosseiras sendo cometidas em prefeituras, escolas e diretorias de ensino, tem diretoria de ensino aqui em São Paulo mesmo com gastos de dezenas de milhares de reais para comprar bolachas para capacitações de professores.

    1. Olá, André!
      É verdade que é possível comparar os PIBs dos países, mas é bastante diferente fazer essa comparação em termos de investimento educacional. Essa análise não pode ser feita de maneira isolada. Além do percentual, você precisa considerar o valor do PIB (o tamanho da riqueza do país) e também o tamanho do alunado a ser atendido (o desafio educacional). Países com alto desafio educacional têm população em idade educacional acima de 30%, e o Brasil tem 45%. Um ranking com base no desafio educacional seria mais justo (é o que propõe o Nelson Cardoso, pesquisador da UFG. Ele faz esse tipo de cruzamento: http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php/sugestoes-de-pautas/48-sugestoes-de-pautas/1029-comparar-investimento-brasileiro-em-educacao-com-o-de-paises-membros-da-ocde-e-uma-falacia-afirma-especialista).

      E não se trata de número mágico. É o cálculo das metas do PNE — a conta que o MEC apresentou para financiar as metas do PNE com 7% não fechou. Por essa ótica, os 7% é que são mágicos (de onde o MEC tirou esse número?). Na verdade, é a lógica de financiamento que prevaleceu até agora: gasta-se o que tem disponível, não o que precisa. Ou você aumenta o investimento, ou reduz as metas. O problema de reduzir as metas é deixar de cumprir a Constituição, que garante os direitos educacionais.

  2. Adorei seu texto, Fernanda! Impressionante o quão ideológico é esse discurso de “menos recusos, mais gestão”. No limite, esse grupos privatizariam as escolas. É mais ou menos essa a justificativa que tem sido dada para as políticas neoliberais, dos grupos r/deformadores educacionais, dos EUA. Concordo com cada linha do seu argumento. Parabéns!

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